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segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Comentário do Romance "Órfãos de Eldorado" de Milton Hatoum


A novela de Milton Hatoum, Órfãos do Eldorado, é um exemplo de boa literatura amazônida, um texto simples de ser entendido, mas com a complexidade das relações humanas subjacente nos personagens. A presente obra possui um misto de regionalismo e universalismo latente nas páginas, pois ao mesmo tempo em que o narrador relata o fato histórico do final do ciclo da borracha na Amazônia, ele discorre também sobre as lendas em cuja uma delas – a lenda da cidade encantada no fundo do rio- é o “fio de Ariadne” que percorre toda a narrativa e conduz o leitor para mais perto daquilo que povoa o imaginário coletivo do povo dessa região. Sem parecer clichê, os dramas universais que se abatem sobre cada personagem são apresentados de forma sutil, mas com muita ardilosidade, profundidade e agudez que consegue ferir, como um dardo, o leitor desavisado da qualidade do texto.

A narrativa possui um enredo alinear – tempo psicológico –, uma vez que é o personagem principal, Arminto Clodorvil, quem conta a história “Conto o que a memória alcança, com paciência”(p.10)

O início da narrativa apresenta um “herói” decadente, inseguro, instável que destoa um pouco da figura de herói apresentada por Vladimir Propp. Sua busca parece ter sido em vão, não conseguiu encontrar o que procurava. As ausências do passado ainda se abatem sobre ele: ausência do pai em vida e depois de falecido; ausência da mãe que não conheceu; ausência de Floripa sua ama amante; ausência de Dinaura, seu grande amor; ausência de razão, já que a emoção foi a sua parceira e motivo de sua ruína.

A interdição elencada por Propp, a qual deve ocorrer no início, está diluída por quase toda obra, na voz não dita pelo pai, na fala de Floripa e na de Estiliano, os quais advertem de um perigo em potencial e iminente. Entretanto o agressor não se constitui em um ser materializado e é justamente esse dado que aproxima Órfãos de Eldorado das novelas Kafkafianas, a ausência de algo que persegue, atormenta, o herói, um anti-herói desconhecido e que não se revela nunca: a linguagem, a não comunicação entre os personagens Amando e Arminto; Arminto e Dinaura, por exemplo.

Com efeito, não creio, que Dinaura possa ser o tal agressor citado por Propp, mas ela é o divisor de águas na narrativa em si, juntamente com a morte do pai de Arminto. Esse dado desequilibra a vida do herói que nunca consegue restabelecer a harmonia, fato que se percebe no início da novela, quando Arminto, decadente, começa a falar de suas lembranças. A partir de então o deslocamento presente, o que deveria ser o apelo para que o herói saísse de um lugar e fosse para outro, acaba deslocando Arminto por várias cidades, sem contudo ter o objetivo de restabelecer a harmonia inicial que, diga-se de passagem, nem era tão harmônica assim, uma vez que o objeto perdido motivador de uma empresa reparadora já atormentava Arminto desde o início. O herói esperava por algo que não tinha, mas não sabia o que era: “Eu esperava alguma coisa, sem saber o quê.”

Dessa forma, ele se dá a missão de buscar o objeto perdido que ele acredita ser Dinaura, mas que pela estrutura apresentada por Propp ela seria o elemento anti-herói que provocou o desequilíbrio na vida d herói.

Nesse ponto, surge a figura do doador, materializada em Estiliano, o qual aconselha Arminto para as suas futuras tomadas de decisão, mas este é indiferente ao doador, embora busque por Dinaura, não se dedica a essa missão com afinco, cuida, sim de gastar tudo o que herdou, numa atitude de revolta contra o pai, mesmo depois de ele já ter falecido, e somente quando está sem nada a luta com o desconhecido chega, mas o herói não vence, pois não sabe com que ou quem luta: com sentimentos de carência que o acompanham desde a infância, com um amor ardiloso que fugiu depois da primeira noite, com o seu passado, com a sua inutilidade no mundo?

Frente a frete com Dinaura, na hora da luta, o desconhecido se apresenta – a falta de linguagem – e novamente o herói fica sem respostas, fica sem saber o porquê, pois não há comunicação, não há perguntas nem respostas.

O herói, então, volta a sua vida e ela não muda. Ele continua um filho de um barão da borracha sem nada, a única coisa que possui é a presença esporádica de Floripa. E seus dias são infelizes e cheios de saudosismo, o rio é seu objeto de contemplação. único que não lhe deixou órfão em uma cidade de órfãos. E o sentimento de perda de algo típico dos órfãos se assola: Armando órfão de um amor; Estiliano, órfão de um amigo; Floripa, órfã de Arminto; Arminto órfão de pai e mãe e de Dinaura. E todas essa sensação de falta permeia a cidade dos órfãos, dos Órfãos de Eldorado.

Por B. de Sales

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